João era pobre. O pai tinha morrido, e era muito difícil a mãe manter a casa e sustentar os filhos. Um dia, ela pediu-lhe que fosse pescar alguns peixes para o jantar. João reparou numa coisa a mexer-se no meio do arvoredo. Aproximou-se sorrateiro, abaixou-se, afastou as folhas devagarinho e viu um pequeno homem sentado num minúsculo banco de madeira. Costurava um colete verde com um ar compenetrado enquanto cantarolava uma musiquinha. À frente de João, estava um anão. Rapidamente, esticou o braço e prendeu o homenzinho entre os dedos.
— Boa tarde, meu senhor.
— Como estás, João?, respondeu o homenzinho com um sorriso malicioso.
Mas o anão tinha montes de truques para se libertar dos humanos. Inventava pessoas e animais a aproximarem-se, para que desviassem o olhar e ele pudesse escapar.
— Diz-me lá, onde fica o tesouro do arco-íris?
Ele, então, gritou para João que vinha lá um touro bravo a correr bem na sua direção. Ele se assustou, abriu a mão, e o anão desapareceu. João sentiu uma grande tristeza, pois quase tinha ficado rico. E, com essas andanças, voltou para casa de mãos a abanar, sem ter pescado peixe nenhum. Mal chegou, contou à mãe o sucedido. Esta, que já conhecia a manha dos anões, ensinou-o:
— Se alguma vez o encontrares, diz-lhe que traga o tesouro imediatamente.
Passaram-se meses. Até que um dia, ao voltar para casa, sentiu os olhos ofuscados com um brilho intenso. O anão estava sentado no mesmo pequeno banco de madeira, só que dessa vez consertava um dos seus sapatos.
— Cuidado! Vem lá o gavião!, gritou o anão, fazendo uma cara de medo.
— Não me tentes enganar!, disse João. Traz já o pote de ouro! Traz já o pote de ouro ou eu nunca mais te solto.
— Está bem!, concordou o anão. Desta vez ganhaste!
O pequeno homem fez um gesto com a mão, e, imediatamente, um belíssimo arco-íris iluminou o céu, saindo do meio de duas montanhas e terminando bem aos pés do João. As sete cores eram tão intensas que até esconderam o pequeno pote de barro, cheio de ouro e pedras preciosas, que estava à sua frente. O anão abaixou-se, com o chapéu fez-lhe um aceno de despedida e gritou, pouco antes de desaparecer para sempre:
— Adeus, João! És um menino esperto! Terás sorte e serás feliz para sempre!
E foi o que aconteceu. O pote de ouro nunca se esgotou, e João e a sua família tiveram uma vida de muita fartura e de muita alegria.
E foi o que aconteceu. O pote de ouro nunca se esgotou, e João e a sua família tiveram uma vida de muita fartura e de muita alegria.
(Versão do original irlandês)
A Escola sem Paredes
não parece escola, não.
Trabalha com arte e ofício,
como na voz de Vinicius:
"Era uma casa
Muito engraçada
Não tinha teto
Não tinha nada".
A escola sem paredes
não parece escola, não.
Tem vida, tem alegria,
tem boa pedagogia!
A escola sem paredes
não parece escola, não.
Investe no encantamento,
que a vida é sentimento.
A escola sem paredes
não parece escola, não.
Tem razão, tem poesia,
tem canto, tem melodia.
A escola sem paredes
não parece escola, não.
Seu tijolo: a alegria.
Seu trabalho: a criação.
A escola sem paredes
não parece escola, não.
Tem teto: o experimento.
Tem vigas: a emoção.
A escola sem paredes
não parece escola, não.
O cimento é a semente
do sonho feito lição.
A escola sem paredes
não parece escola, não.
O giz é a alegria
nas asas da fantasia.
A escola sem paredes
não parece escola, não.
A casa, reconstruída,
é do tamanho da vida.
A escola sem paredes
não parece escola, não.
Em lugar de ter janelas,
tem cores de aquarela.
A escola sem paredes
não parece escola, não.
Em asa-delta, o aluno
voa livre e tem visão.
A escola sem paredes
não parece escola, não.
Não tem forma nem tamanho.
Sua partitura: o sonho.
A escola sem paredes
não parece escola, não.
Os conteúdos diários
navegam no imaginário.
A escola sem paredes
não parece escola, não.
O mestre vai pilotar,
ensina e aprende a voar.
A escola sem paredes
não parece escola, não.
O professor, comandante,
é também iniciante.
A escola sem paredes
não parece escola, não.
Aqui, quem “dá” a lição,
dá a significação.
A escola sem paredes
não parece escola, não.
Constrói a proficiência
nas linguagens, na ciência.
A escola sem paredes
não parece escola, não.
Tem vida, tem poesia,
tem mais que pedagogia.
A escola sem paredes
não parece escola, não.
A competência querida
alimenta-se da vida.
A escola sem paredes
não parece escola, não.
Quem surfa é o raciocínio,
na prancha do tirocínio.
A escola sem paredes
não parece escola, não.
Cada lição ensinada
é vida, vivenciada.
A escola sem paredes
não parece escola, não.
Cada lição aprendida
é repertório para a vida.
A escola sem paredes
não parece escola, não.
A criação é plural,
transcende o convencional.
A escola sem paredes
não parece escola, não.
O aluno, em vez de medo,
entretece seu enredo.
A escola sem paredes
não parece escola, não.
Há vida em cada instante,
tudo é interessante.
A escola sem paredes
não parece escola, não.
Cada um faz seu caminho,
sem rotas em desalinho.
A escola sem paredes
não parece escola, não.
As vias são sempre abertas,
com os sinais em alerta.
A escola sem paredes
não parece escola, não.
É uma via sem fronteira,
como é a vida inteira.
A escola sem paredes
não parece escola, não.
Nela, tudo, como a gente,
é único, é diferente.
A escola sem paredes
não parece escola, não.
A lição é como a vida:
um valor tão sem medida!
A escola sem paredes
não parece escola, não.
Seu currículo é integrado,
sem grades ou cadeado.
A escola sem paredes
não parece escola, não.
O aluno, desde cedo,
já se sente cidadão.
A escola sem paredes
não parece escola, não.
Tem arte, tem ousadia,
ao longo de todo o dia.
A escola sem paredes
não parece escola, não.
A biblioteca inspira,
alimentando a ação.
A escola sem paredes
não parece escola, não.
Seu teto é infinito,
sua voz é mais que um grito.
A escola sem paredes
parece a vida da gente,
fluindo na amplidão,
cada dia diferente.
Na escola sem paredes,
o que seduz e fascina
é que o bom, o normal,
é não buscar ser igual.
Os mestres são como antenas
captando vibrações.
Esquadrinhando os problemas,
criando as soluções.
Em cada laboratório,
a lição assimilada
integra o repertório
da vida reencontrada.
As aulas já não precisam
de salas, o espaço é aberto.
Adequando-se à escala,
não há nem longe, nem perto.
Tem tudo o que uma escola
oferece de verdade.
Mas sem correntes ou peias,
só lições de liberdade.
Casa de livros e livres,
fonte de cidadania.
A escola sem paredes
constrói a democracia.
Escola, minha escola,
com prazer e sedução,
de ti o sonho decola:
a vida é a grande lição.
CARNEIRO, Moaci Alves. A escola sem paredes.
São Paulo: Escrituras, 2002. p. 13 a 31.
FONE: (11) 5082-4190 http://www.escrituras.com.br/
A Moça Tecelã
Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás das beiradas da noite. E logo se sentava ao tear.
Linha clara, para começar o dia. Delicado traço cor da luz, que ela ia passando entre os fios estendidos, enquanto lá fora a claridade da manhã desenhava o horizonte.
Depois, lãs mais vivas; quentes lãs iam tecendo hora a hora, em longo tapete que nunca acabava.
Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça colocava na lançadeira grossos fios cinzentos do algodão mais felpudo. Em breve, na penumbra trazida pelas nuvens, escolhia um fio de prata, que, em pontos longos, rebordava sobre o tecido. Leve, a chuva vinha cumprimentá-la à janela.
Mas, se, durante muitos dias, o vento e o frio brigavam com as folhas e espantavam os pássaros, bastava a moça tecer com seus belos fios dourados para que o sol voltasse a acalmar a natureza.
Assim, jogando a lançadeira de um lado para outro e batendo os grandes pentes do tear para frente e para trás, a moça passava seus dias.
Nada lhe faltava. Na hora da fome, tecia um lindo peixe, com cuidado de escamas. E eis que o peixe estava na mesa, pronto para ser comido. Se sede vinha, suave era a lã cor-de-leite que entremeava o tapete. E, à noite, depois de lançar seu fio de escuridão, dormia tranqüila.
Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.
Mas, tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se sentiu sozinha e, pela primeira vez, pensou como seria bom ter um marido ao lado.
Não esperou o dia seguinte. Com capricho de quem tenta uma coisa nunca conhecida, começou a entremear no tapete as lãs e as cores que lhe dariam companhia. E, aos poucos, seu desejo foi aparecendo, chapéu emplumado, rosto barbado, corpo aprumado, sapato engraxado. Estava justamente acabando de entremear o último fio da ponta dos sapatos, quando bateram à porta.
Nem precisou abrir. O moço meteu a mão na maçaneta, tirou o chapéu de pluma e foi entrando na sua vida.
Naquela noite, deitada contra o ombro dele, a moça pensou nos lindos filhos que teceria para aumentar ainda mais a sua felicidade.
E feliz foi, por algum tempo. Mas se o homem tinha pensado em filhos, logo os esqueceu. Porque, descoberto o poder do tear, em nada mais pensou a não ser nas coisas todas que ele poderia lhe dar.
— Uma casa melhor é necessária, disse para a mulher. E parecia justo, agora que eram dois. Exigiu que escolhesse as mais belas lãs cor-de-tijolo, fios verdes para os batentes e pressa para a casa acontecer.
Mas, pronta a casa, já não lhe pareceu suficiente.
— Por que ter casa, se podemos ter palácio?, perguntou. Sem querer resposta, imediatamente ordenou que fosse de pedra com arremates de prata.
Dias e dias, semanas e meses trabalhou a moça, tecendo tetos e portas, e pátios, e escadas, e salas, e poços. A neve caía lá fora, e ela não tinha tempo para chamar o sol. A noite chegava, e ela não tinha tempo para arrematar o dia. Tecia e entristecia, enquanto, sem parar, batiam os pentes, acompanhando o ritmo da lançadeira.
Afinal, o palácio ficou pronto. E, entre tantos cômodos, o marido escolheu para ela e seu tear o mais alto quarto da mais alta torre.
— É para que ninguém saiba do tapete, disse.
E, antes de trancar a porta a chave, advertiu:
— Faltam as estrebarias. E não se esqueça dos cavalos!
Sem descanso, tecia a mulher os caprichos do marido, enchendo o palácio de luxos; os cofres, de moedas; as salas, de criados. Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.
E, tecendo, ela própria trouxe o tempo em que sua tristeza lhe pareceu maior que o palácio com todos os seus tesouros. E, pela primeira vez, pensou como seria bom estar sozinha de novo.
Só esperou anoitecer. Levantou-se enquanto o marido dormia sonhando com novas exigências. E, descalça, para não fazer barulho, subiu a longa escada da torre, sentou-se ao tear.
Desta vez não precisou escolher linha nenhuma. Segurou a lançadeira ao contrário, e, jogando-a veloz de um lado para outro, começou a desfazer o seu tecido. Desteceu os cavalos, as carruagens, as estrebarias, os jardins. Depois, desteceu os criados e o palácio. E todas as maravilhas que continha. E novamente se viu na sua casa pequena e sorriu para o jardim além da janela.
A noite acabava quando o marido, estranhando a cama dura, acordou e, espantado, olhou em volta. Não teve tempo de se levantar. Ela já desfazia o desenho escuro dos sapatos, e ele viu seus pés desaparecendo, sumindo as pernas. Rápido, o nada subiu-lhe pelo corpo, tomou o peito aprumado, o emplumado chapéu.
Então, como se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu uma linha clara. E foi passando-a devagar entre os fios, delicado traço de luz que a manhã repetiu na linha do horizonte.
COLASANTI, Marina. Doze Reis e a Moça no Labirinto do Vento. 6. ed. Rio de Janeiro: Nórdica, 1982
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