quinta-feira, 29 de abril de 2010

ASSUNTOS SOBRE INCLUSÃO

                                     
NOSSA INCLUSÃO COTIDIANA
Fábio Adiron

Eu adoro falar em seminários, congressos, fóruns. Aliás, quem me conhece, sabe que eu adoro falar.
O que não significa que eu não seja um ótimo ouvinte. Não acredito em ninguém que ache que não tem mais nada a aprender, em qualquer campo do conhecimento.
Nos últimos dias estive em duas situações onde tive a oportunidade de fazer as duas coisas. Uma, no seminário de educação inclusiva que aconteceu durante a Reatech. Outra em dois encontros com professores da EMEI João Paulo II.
Sem nenhum demérito ao primeiro (aliás aprendi muito com o Prof Davi, de Portugal), tenho de reconhecer que aprendi mais no segundo.
Essa EMEI (caso alguém não saiba, significa Escola Municipal de Educação Infantil, que abrange crianças de 3 a 6 anos) está num contexto onde teria tudo para não dar certo. Fica num bairro pobre já nos limites extremos da zona oeste de São Paulo - muita gente já ouviu falar na Parada de Taipas e nunca esteve perto de lá. Funciona em 3 turnos e com classes no limite máximo do número de alunos dessa idade.
Durante quase 5 horas eu conversei com duas turmas de professores, merendeiras, condutores e outros profissionais da escola. Como de hábito falei muito, como de hábito ouvi muitas coisas interessantes - e não existe nada mais interessante do que ouvir como a inclusão acontece na vida real, especialmente onde as situações de exclusão são múltiplas e complexas.
Aprendi, de uma professora, que ela tem um aluno com uma síndrome genética cujo laudo médico dizia que ele não teria possibilidade de fazer um monte de coisas, inclusive de falar. Só que, com ela, o menino fala. E não estava se referindo a simplemente pronunciar uma ou outra palavra esporádica, mas de construir frases, rebater argumentos de forma simples, mas lógica.
De outra professora, com um aluna com um Transtorno Global do Desenvolvimento, que ela, por conta própria, leu tudo que poderia a respeito da deficiência da menina e que até enxerga nela muitas das características apontadas nos livros, mas que nenhuma das receitas de bolo que ela leu funciona, pois a menina não é um produto de confeitaria. O dilema dessa professora nesse momento é: como é que ela convence a mãe da menina a mantê-la numa escola comum (está na última série da EMEI) ao invés de matriculá-la numa instituição segregada.
Fui questionado por uma merendeira a respeito de tratamento diferenciado para as crianças com deficiência. A pergunta era muito simples, mas cheia de conteúdo conceitual : tem um menino que não gosta de bolacha e só quer comer pão. Como ele tem deficiência, eu dou pão para ele... mas e as crianças "normais" que também não gostam de bolacha? Por que eu não posso fazer a mesma coisa? Ou eu dou pão para todos que não gostam de bolacha, ou todos (incluindo a que tem deficiência) ficam sem nada.
Outra pessoa veio me contar de um moleque cujo desenvolvimento, depois que foi para a escola, deu um salto de qualidade que surpreendeu os próprios pais que não acreditavam que ele fosse conseguir fazer ou aprender muita coisa.
Saí de lá com a certeza que, apesar das muitas dificuldades atitudinais, estruturais e financeiras, a inclusão pode acontecer em qualquer lugar, desde que os profissionais envolvidos nessa questão estejam sinceramente interessados em seres humanos. Que estejam abertos à reflexão. E que acreditem que ninguém pode ser abandonado pelo caminho.
Ah...você gostaria de saber o que foi que eu falei? Nada que fosse mais relevante do que o que eu ouvi.
Cheguei em casa bastante cansado, depois desse tempo todo em pé e de enfrentar o trânsito pesado da cidade. Mas hoje eu durmo feliz.

Fonte: http://xiitadainclusao.blogspot.com/

PALAVRAS BACANAS
Tradução e paráfrases de uma seção do artigo “Reassigning Meaning” [cf. LJDavis (org). Disability Studies Reader, 2006] de Simi Linton, da Universidade de Columbia, por Ubiratan Vieira.

Termos como “pessoas com necessidades especiais”, “deficiente eficiente”, “excepcionais”, e “pessoas/crianças especiais”, vêm a tona em diferentes momentos e lugares. São raramente usados por deficientes politizados ou acadêmicos (exceto com uma ironia palpável). Entretanto, podem ser considerados tentativas bem-intencionadas de valorizar as pessoas com deficiência. Transmitem a mentalidade da responsabilidade social e da boa vontade de fazer o bem, endêmicos às agências paternalistas que controlam muitas vidas de pessoas com deficiência. “Pessoas com necessidades especiais” é o único termo que parece que pegou. Pessoas não deficientes o usam em conversas sobre pessoas com deficiência sem uma ponta de ansiedade, sugerindo que acreditam que seja um termo positivo. Esta designação não faz muito sentido para mim. Dizer que sou uma “pessoa com necessidades especiais” é afirmar que os obstáculos para minha participação são físicos, não sociais, e que a barreira é minha própria deficiência.
Os termos “deficiente eficiente” e “excepcionais” tiveram uma vida consideravelmente curta nas pratilheiras. O primeiro é usado para refutar estereótipos de incompetência. Entretanto, é um termo defensivo e reativo mais do que um termo que propõe mudanças. O segundo, “excepcionais”, foi usado como justificação psicopedagógica para o “fracasso escolar” e a segregação de crianças em salas e escolas, mas foi logo substituído para esta função pelo termo “especial”.
Uma série de profissões são construídas no entorno da palavra “especial”. Uma grande infra-estrutura resta na ideia de que “crianças especiais” e “educação especial” são ideias estruturantes, validadas e úteis. Entretanto, os dicionários (Aurélio e Michaelis) insistem que “especial” seja reservado para casos fora do comum, excelentes, notáveis, superiores e que se aplique exclusivamente a uma pessoa ou coisa ou uma categoria particular de coisas. A experiência nos ensina que “especial” significa algo diferente quando aplicada à educação ou a crianças. A designação de crianças deficientes e a educação como “especial” pode ser entendida somente como um eufemismo, obscurecendo a realidade de que nem as crianças, nem sua educação são consideradas desejáveis, nem concebidas como “excelentes, notáveis, superiores”.
Rotular a educação e seus destinatários de especiais pode ter sido uma tentativa deliberada para conferir legitimidade a esta prática educacional e para dar suporte a grupos excluídos. Mas também é importante considerar o sentimento inconsciente que tal estratégia pode mascarar. Tenho o sentimento de que a população em geral lida com pessoas com deficiência com grande ambivalência. Sentimentos de antipatia e desdém sempre entram em competição com sentimentos de empatia, culpa e identificação. O termo “especial” pode ser uma evidência não de uma manobra deliberada, mas de uma “formação reativa” coletiva, termo de Freud, para o mecanismo de defesa inconsciente no qual um indivíduo adota atitudes e comportamentos que são o oposto de seus próprios sentimentos verdadeiros, de modo a proteger o ego da ansiedade sentida por experimentar esses sentimentos.

Discussões e querelas aparecem no meio. Uns definindo quem entra, outros convidando para sair quem já está fora, e a batata quente do “coitadinho”, o outro que ninguém quer ser, só se for comer com o estatuto para tirar algum proveito da lei. Chegou à minha caixa de correio um repente que vem a calhar. Vamos então ler este repente de Viviane Veras. Estaremos cumprindo a promessa do Cão?


UMA VEZ CRIADO O MUNDO
PELO DEUS NOSSO SENHOR
COMEÇARAM A SEPARAR
OS HOME POR SUA COR

SEPARÁ QUEM TEM DOENÇA
QUEM POUCO OUVE OU NÃO VÊ
OU CONFORME O QUE ELE CRÊ
E CHAMÁ DE DIFERENÇA


OS MESMO ELES AJUNTARAM
SEPARANDO O BEM DO MAL
E OS BOM FORAM ALCUNHADO
PELO NOME DE NORMAL

ATÉ QUE VEIO O TROVÃO
A VOZ DE DEUS RIBOMBOU
FOI ASSIM QU’ELE AVISOU
QU’ERA PRA TER INCLUSÃO


JUNTARAM TUDO DE NOVO
QUE É PRA SÊ TUDO IGUAL
TUDO IRMÃO COLEGA AMIGO
SER DIFERENTE É NORMAL

VIU DEUS O SEU POVO UNIDO
SUA OBRA REALIZADA
NEM REPAROU NA RISADA
DE QUEM FEZ O PROMETIDO

OS DE FORA TUDO DENTRO
E LÁ DE DENTRO EXCLUÍDO
Viviane Veras é mãe, tradutora, pesquisadora e professora universitária, e atua nas áreas de educação, lingüística e psicanálise.






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